sábado, 21 de maio de 2011

RS - Arte contra a extinção dos quilombolas

Data: 20/5/2011

Fonte: Gazeta do Sul em 13/05/2011
Na comunidade quilombola de Linha Fão, interior de Arroio do Tigre, na região Centro-Serra, trabalhar no campo para ter o que comer é questão de sobrevivência. O alimento, tão importante para a manutenção do corpo, é equiparado à necessidade de preservação dos costumes e da cultura nos quilombos. Essas questões, explícitas ou implícitas, se entrelaçam no tempo e firmam o que se pode chamar de herança. A produção de artesanato típico é uma das alternativas para se evitar que mais pessoas deixem as comunidades quilombolas rurais, o que seria desastroso, uma vez que esses núcleos sempre resistiram ao tempo, à perseguição e à escravidão, na contramão de todas as dificuldades.
A negritude, para além da cor, se manifesta em artesanato típico, feito basicamente de taquaras e cipós. A criatividade os transforma em cestas, balaios e peneiras, por exemplo. Depois de diversos cursos e oficinas,  um grupo da comunidade resolveu inovar e se dedicou à produção de joias, correntes e outros artigos do gênero.
De acordo com a extensionista do escritório da Emater-RS/Ascar de Sobradinho, Marinez Busatto, que trabalhou por dez anos em Linha Fão, até 2010 os quilombolas se dedicaram exclusivamente ao resgate de sua arte. Ao perceber a necessidade de agregar renda ao trabalho produzido na comunidade, a prefeitura de Arroio do Tigre, em parceria com a Emater, promoveu diversas oficinas de artesanato. “Novos produtos foram surgindo. Cada vez mais percebemos o contentamento das famílias, que hoje já comercializam seus artigos em grandes feiras.” A primeira mostra de arte quilombola ocorreu durante o Encontro Intermunicipal de Mulheres, dia 12 de março, quando os artistas colocaram à venda as peças produzidas durante as oficinas promovidas pela assistência social.  

DIFICULDADES – As principais dificuldades enfrentadas pelas comunidades quilombolas rurais do Rio Grande do Sul são de ordem socioeconômica, como a dimensão reduzida das terras ocupadas e a falta de alternativas para a geração de renda. A maioria dessas áreas está em terras impróprias para a agricultura, em razão do seu relevo íngreme e solo pedregoso. Boa parte desses quilombos foi expropriada por fazendeiros, o que os levou a ocupar áreas cada vez menores. A regularização dos seus territórios é uma etapa importante para reverter esse quadro.
Segundo a secretária de Assistência Social de Arroio do Tigre, Claudia Schuster Ravanello, em virtude de particularidades e também por fazer parte da história do município, do Estado e do Brasil, a administração busca  investir em projetos para a preservação de costumes da cultura quilombola. “Uma dessas alternativas é desenvolver a arte e mesmo a culinária. Precisamos fomentar a geração de renda como condição fundamental para que esses remanescentes não deixem o quilombo. Possuímos uma dívida histórica com os negros e devemos combater o preconceito que ainda existe.”  Hoje, data da Abolição da Escravatura, é dia para refletir a respeito dessa “sombra histórica” que continua, embora velada, contra os afrodescendentes.
LINHA FÃO
Localizada a 30 quilômetros do centro de Arroio do Tigre, Linha Fão, reconhecida pelo governo federal desde 2007, tem como marco o Rio Caixão e conta com aproximadamente 25 famílias de remanescentes quilombolas. Além de se dedicarem ao artesanato para complemento da renda, também plantam na área a elas destinada e eventualmente alugam terras de lindeiros. É muito comum que trabalhem como peões, diaristas ou sócio-agregados. Muitos avanços já foram implementados por lá, como o encaminhamento das crianças à escola. Os mais velhos, em sua grande maioria, são analfabetos.
Muitos contam que seus pais e avós criaram a comunidade para fugirem de perseguições e manter um local independente. Com fome, tinham de comer até pelego assado. Não havia calçados e a manutenção das propriedades exigia trabalho forçado e sobre-humano. Dormiam apenas três horas por dia. O número de escravos fugitivos era expressivo, tanto que o primeiro senhor de escravos da região, Pedro Simão, tinha que esconder seus cativos para não ser morto por líderes da resistência negra.

< O Observatório Quilombola publica todas as informações que recebe, sem descartar ou privilegiar nenhuma fonte, e as reproduz na íntegra, não se responsabilizando pelo seu conteúdo.>

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