terça-feira, 4 de junho de 2013

MG – Ameças em Brejo dos Crioulos


Por , 04/06/2013 16:04

QuadroQuilombolas 
CPT – Norte Minas


Segundo informações de Brejo dos Crioulos, os quilombolas que ocupam a fazenda do prefeito de Varzelândia Felisberto, receberam iminente ameaça de pistoleiros que pretendem invadir o local a tiros. O Zé Pernambuco, secretário de obras da prefeitura, tem pressionado os quilombolas para saírem da referida fazenda,  assim como o secretário de transporte de Varzelândia. O secretário chamou o presidente da Associação José Carlos de Oliveira Neto, para uma reunião do programa Minha Casa Minha Vida, que estavam encaminhando para o Brejo e disse que por causa disso não iria incluir o Brejo dos Crioulos no programa. Outro que está pressionando os quilombolas a sair da Fazenda de Felisberto é um tal de Ronaldo, que não é quilombola e tem uma área dentro do território.
Queremos lembrar que três áreas (Fazenda Vista Alegre, Fazenda Bonanza e Fazenda do Prefeito de Varzelândia Felisberto) se encontram ainda sem ajuizamento do INCRA, com denúncias de pistoleiros e risco de confronto.
É claro que a demora do INCRA em ajuizar essas áreas é o que faz o conflito se acirrar. Vai se completar dois anos que o território foi desapropriado, após 13 anos de luta. Em 2007 após tiroteio na Fazenda Vista Alegre dois quilombolas foram feridos por carabina, posteriormente o irmão de Ticão foi assassinado e posteriormente o Coquinho foi esfaqueado por pistoleiro e ninguém foi preso. Já o ano passado com a morte de um pistoleiro, 4 quilombolas foram  e estão presos.
JUSTIÇA COM DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS. Uma para punir os pobres e outra para deixar na impunidade os ricos.
Solicitamos urgentemente medidas de proteção e urgentíssimas medidas para a titulação do território para os quilombolas. O resto são medidas paliativas ou compensatórias que não resolvem o conflito.
Pela demora do executivo em desintrusar os fazendeiros do território Brejo dos Crioulos, já desapropriado desde 29 de setembro de 2011, os quilombolas de Brejo dos Crioulos, em torno de 250 famílias, ocuparam na semana passada a última  fazenda de Raul Ardito Lerário e nesta madrugada ocuparam a Fazenda de João Gonçalves. Ambas fazendas situam-se dentro do território de Brejo dos Crioulos.

Nove grandes proprietários detêm em torno de 77% da área do território, sendo eles:
1 – Raul Ardito Lerário                       –  ocupada pelos quilombolas;
2 – Miguel Véo Filho                          -  ocupada pelos quilombolas;
3 – João Gonçalves Godinho             –  ocupada pelos quilombolas;
4 – Fazenda de José Maria                 –  ocupada pelos quilombolas;
5 – Fazenda de Névio                         –  ocupada pelos quilombolas;
6 – Fazenda de Moacir Rodrigues     –  ocupada pelos quilombolas;
7 – Fazenda Morro Prêto                   –  ocupada pelos quilombolas;
8 – Fazenda Felisberto                        - ocupada – do prefeito de Varzelândia
9 – Fazenda Vista Alegre de Albino   –  não ocupada;
10 – Fazenda Bonanza de Godinho   –  não ocupada.

Quase dois anos após a assinatura do decreto  os quilombolas ainda não obtiveram a desintrusão dos proprietários da área e sua titulação. Só estão conseguindo a posse do território mediante as ocupações. Isso demonstra e prova que as ocupações só ocorrem pela Não Ação do Executivo.
São treze anos de luta e infelizmente os conflitos ocorridos no Brejo tem seu maior responsável: o governo federal.
As ocupações pelo visto continuarão, já que o INCRA sucateado e com sua morosidade levará tempo para efetivar o decreto já assinado.
Esperamos que violências várias, já ocorridas e denunciadas, não venham a se repetir e caso ocorram terá como maior responsável o governo federal.
Enviada por Paulo Roberto Facccion, da Comissão Pastoral da Terra Montes Claros.

Posição da Via Campesina Brasil sobre a questão dos territórios: camponeses, indígenas, quilombolas e pesqueiros!

Por , 04/06/2013 16:55

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Vivemos um período de intensa pressão do capital, (com a conivência e apoio do Estado e dos Governos Brasileiros), sobre os territórios camponeses, indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais (pesqueiros, entre outros).
Esta pressão é percebida pelo avanço dos empreendimentos de mineração, pelo avanço das hidroelétricas, rodovias, ferrovias, dos monocultivos do agronegócio… e pelo desmonte da legislação de proteção aos territórios tradicionalmente ocupados.
Este desmonte pode ser percebido através das propostas de emendas constitucionais 215/2000 (Inclui dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas; estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei.), 038/1999 (Acresce inciso XV ao art. 52 da Constituição Federal para incluir entre as competências privativas do Senado Federal aprovar o processo de demarcação das terras indígenas.) e 237/2013 (Acrescente-se o art. 176-A no texto Constitucional para tornar possível a posse indireta de terras indígenas à produtores rurais na forma de concessão.). Também pelas portarias 419/11 (regulamenta a atuação de órgãos e entidades da administração pública com o objetivo de agilizar os licenciamentos ambientais de empreendimentos de infra-estrutura que atingem terras indígenas.), portaria 303/12 (manifesta uma interpretação extremamente abrangente, geográfica e temporalmente, em relação às Condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso Raposa Serra do Sol (Petição 3388), estendendo a aplicação das mesmas a todas as terras indígenas do país e retroagindo “ad eternun” sua aplicabilidade. A portaria determina que os procedimentos já “finalizados” sejam “revistos e adequados” aos seus termos.) e o decreto 7957/13 (Institui o gabinete permanente de gestão integrada para a proteção do meio ambiente, regula a atuação das forças armadas na proteção ambiental; altera o decreto 5.289, de 29 de novembro de 2004 e da outras providências. Com esse decreto, “de caráter preventivo ou repressivo”, foi criada a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, tendo como uma de suas atribuições “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”. Na prática isso significa a criação de instrumento estatal para repressão militarizada de toda e qualquer ação de comunidades tradicionais, povos indígenas e outros segmentos populacionais que se posicionem contra empreendimentos que impactem seus territórios. A Força pode ser solicitada por qualquer Ministro do Governo Federal).
Este processo de ofensiva contra os territórios têm levado os povos indígenas do Brasil ao enfrentamento, à defesa irrestrita de seus direitos assegurados pela Constituição Federal e tratados internacionais como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração da ONU sobre os direitos indígenas. Diversas mortes, ameaças, “acidentes mal explicados” e conflitos ocorrem diariamente.
Diante disso a Via Campesina vem a público para manifestar:
  1. Repudio ao tratamento dado aos camponeses, povos indígenas, quilombolas e pescadores deste país.
  2. Territórios tradicionalmente ocupados (camponeses, indígenas, quilombolas e pesqueiros) são sagrados, devem ser demarcados e respeitados.
  3. Se hoje existe um conflito na ocupação destes territórios é porque o Estado Brasileiro permitiu, negligenciou ou até incentivou esta ocupação, inclusive emitindo documentos de terra. Portanto cabe ao Estado Brasileiro reconhecer, demarcar e respeitar os territórios e reassentar e indenizar as famílias camponesas, construindo desta forma uma solução definitiva para os conflitos.
Brasília, 04 de junho de 2013.
Via Campesina Brasil.
Enviada por Ruben Siqueira para Combate Racismo Ambiental.

Moção de apoio do CNPIR aos editais para produtores e artistas negros do Ministério da Cultura

 Por , 03/06/2013 11:09

 
 
MOÇÃO DE APOIO AOS EDITAIS PARA PRODUTORES E ARTISTAS NEGROS DO MINISTÉRIO DA CULTURA N.º 9, DE 29 DE MAIO DE 2013
O Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), órgão vinculado à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR/PR), reunido na sua Quadragésima Reunião Ordinária, realizada nos dias 28 e 29 de maio de 2013, no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei n.º 10.678, de 23 de maio de 2003, pelo Decreto n.º 4.885, de 20 de novembro de 2003 e pelo Decreto n.º 6.509, de 16 de julho de 2008, torna público o seu posicionamento em defesa da manutenção dos Editais Protagonismo da Juventude Negra na Produção Audiovisual, da Secretaria do Audiovisual (SAV) do MinC; Prêmio Funarte de Arte Negra, da Fundação Nacional das Artes (Funarte); Apoio de Co-edição de Livros de Autores Negros e Apoio a Pesquisadores Negros, da Fundação Biblioteca Nacional.
A decisão do Juiz Federal José Carlos do Vale Madeira, que determinou a “sustação de todo e qualquer ato de execução dos Concursos relacionados aos editais de incentivo à cultura negra lançada pelo Ministério da Cultura (Minc) em 19 de novembro de 2012”, representa um duro golpe nos esforços de promoção da igualdade racial, com destaque para a utilização de ações afirmativas como mecanismo legal e legítimo de superação de desigualdades históricas.
Com o argumento de que os editais “representam uma prática racista, por ser exclusivamente para negros”, o referido juiz desconsidera que os afro-brasileiros, mais da metade da população, não têm acesso proporcional aos recursos públicos de apoio à cultura e às artes, sejam eles oriundos do setor público ou do setor privado.
A este propósito, cabe registrar que, segundo a Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura do MinC, nos últimos quatro anos, de um total de 30 mil propostas de incentivo, 473 eram ligadas à cultura negra. Destas, 93 foram aprovados para captação de recursos e apenas 25 receberam patrocínio por meio da Lei Rouanet. No entanto, os patrocinadores privados que se valem desta Lei nunca foram acionados por racismo pela Justiça, embora, como mostram os números, privilegiem sistematicamente produtores e artistas brancos.
A afirmação de que os Editais estariam estimulando “a estruturação de gueto cultural”, ou a exclusão sumária de outras etnias, também não se sustenta, considerando ademais as iniciativas do MinC com outros grupos historicamente discriminados – mulheres, ciganos e indígenas. Assim como os Editais sustados, isso se dá em total consonância com o Plano Nacional de Cultura (Lei 12.343/2010), Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010) que prevêem programas de reconhecimento, preservação, fomento e difusão do patrimônio e da expressão cultural de grupos sujeitos à discriminação e marginalização.
Exigir “isonomia” para grupos sociais que nunca foram tratados como iguais é, sem dúvida, agir para a manutenção do muro impeditivo de oportunidades para os negros. Um muro cimentado pelo imaginário hegemônico que, negando a diversidade, se traduz na exaltação da estética que reconhece a Europa como matriz exclusiva de tudo que é considerado positivo na sociedade brasileira.
Desse ponto de vista, não são os negros que excluem os demais grupos étnicorraciais do acesso a recursos, estatisticamente insignificantes no montante destinado à cultura e às artes no Brasil. Portanto, o ato de “abrir um acintoso e perigoso espectro de desigualdade racial”, diferentemente do que afirma o Juiz Federal, tem sido das instituições que reproduzem no cotidiano diversas formas de discriminação e, hoje, dão suporte às tentativas de desmontar as conquistas de inclusão e superação das injustiças vividas pela população negra.
 O CNPIR, ao repelir a liminar expedida pela Justiça Federal do Maranhão, declara seu incondicional apoio à continuidade dos Editais para produtores,  pesquisadores e artistas negros, lançados pelo Ministério da Cultura, em parceria com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Que a Justiça Federal transforme a deplorável sustação dos Editais em oportunidade para se colocar, sem vacilações, ao lado da histórica decisão unânime do Supremo Tribunal Federal em favor das ações afirmativas e de um Brasil livre dos efeitos perversos do racismo.
Plenário do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, em sua Quadragésima Reunião Ordinária.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Marinha impede entrega de 500 kg de alimentos arrecadados pelo Akofena para Quilombo Rio dos Macacos


Por , 18/05/2013 08:22
Os alimentos que a Marinha impediu fossem entregues ao Quilombo

Os alimentos que a Marinha impediu fossem entregues ao Quilombo
Nós, militantes do Núcleo Akofena – Campanha Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto, no dia 17 de maio de 2013, fomos impedidos pela Marinha de Guerra do Brasil de entregar alimentos para o Quilombo Rio dos Macacos. Junto com a comunidade tentamos negociar a entrada dos alimentos, entretanto, a Marinha permaneceu irredutível.
Durante os meses de fevereiro, março e abril de 2013, o Núcleo Akofena realizou uma série de ações em solidariedade real e concreta à comunidade Quilombo Rio dos Macacos , em parceria/articulação com as comunidades periféricas de cachoeira, terreiros de candomblés, artistas locais, Griôs, a tradicional Lavagem da Pechincha e o Movimento Estudantil da UFRB.
Os alimentos foram frutos desta jornada de lutas Pró-Quilombo Rio dos Macacos. Um sargento da Marinha, sob orientação de seu superior, afirmou que os alimentos poderiam entrar na Comunidade, mas o carro não. Foi arrecadado mais de 500 kg de alimentos e não haveria possibilidades de levar para a Comunidade sem o transporte, bem como não havia condições de acesso por via alternativa, tendo em vista a condição da estrada em períodos chuvosos, ou seja, a única via seria pela Vila Naval da Marinha de Guerra.
Nesse embate, A Marinha do Brasil inviabiliza que os quilombolas tenham acesso a saneamento básico, atendimento de saúde, ações educativas e alimentação básica.
Como somos também irredutíveis, articulamos outro meio para o repasse dos alimentos. Ainda que a Marinha do Brasil tenha nos inviabilizado realizar a atividade programada junto a comunidade, quando nos foi vetada a entrada de carro ou a pé, mantivemos o compromisso político e reafirmamos entre os irmãos: Somos Quilombo Rio dos Macacos 365 dias ao ano, na solidariedade total a luta quilombola.

Núcleo Akofena – Campanha Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto!

“A CPI da ignorância bem calculada”. Excelente!

“A CPI da ignorância bem calculada”. Excelente!

Por , 20/05/2013 12:08
 
Constituição 1988 

O texto abaixo, de autoria do antropólogo Oscar Calavia Saez, professor do Departamento de Antropologia da UFSC, foi enviado por Susan de Oliveira, com a informação de que ele o escreveu “em defesa do laudo da sua ex-orientanda, a antropóloga Flávia Cristina de Melo, citado como fraudulento pelo deputado Luis Carlos Heinze (PP/RS), autor da PFC 61/11 que visa instalar a CPI da FUNAI e anular laudos de demarcações de terras. O laudo de Flávia Cristina de Melo desapropriou área da Reserva de Mato Preto (RS), cerca de 4.230 hectares que foram devolvidos aos Guarani”.


Oscar Calavia Sáez*

Um grupo de deputados federais, membros ao que parece da bancada ruralista, acaba de solicitar a criação de uma CPI que investigue o papel que a FUNAI, o INCRA, diversas ONGs e departamentos universitários desempenham na demarcação de terras indígenas e quilombolas. Sou professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina, que ganha um destaque especial nessas denúncias, e fui o orientador da tese de doutorado de Flávia Cristina de Melo, a antropóloga citada nesse documento. São motivos suficientes para manifestar-me a respeito.
Os nobres deputados passam revista à legislação que regula as terras indígenas e quilombolas; às ações de governo que as implementam, e às dos tribunais que dirimem os conflitos daí decorrentes, e reclamam de que, no meio desses três poderes, a Universidade, junto com essas outras entidades, exerça um outro poder (na opinião deles inadequado e fraudulento) que promove a proliferação dessas terras indígenas e quilombolas.
A Universidade não é um poder da República, mas é a encarnação institucional do saber da República. Quanto ao tema em pauta, esse saber está bem estabelecido. Sabemos que a formação do Brasil impôs um pesado tributo sobre a sua população originária: guerra, integração forçosa, esbulho de suas terras. E recorreu também a um tráfico de seres humanos que, depois de servirem durante séculos ao agronegócio da cana e do café e a todos os outros afazeres mais duros da economia, receberam uma liberdade formal, mas não um lugar desde donde exercê-la; esse é, se alguém não lembra, a origem da população negra brasileira. 
Esse é o passado, e para que a história possa seguir em termos mais pacíficos e mais justos – e, assim, mais realmente prósperos – a República tem adotado políticas de reconhecimento e reparação, mais generosas agora do que foram no passado. Mesmo assim condicionadas a alguns requisitos que o documento dos deputados revisa: uma história de resistência, posse permanente das terras nos últimos decênios, etc. A partir da Constituição de 1988, o contencioso histórico tem sido resolvido para muitos, não para todos. Não, precisamente, para os mais afetados pelos esbulhos que continuaram no último século, enxotando os índios – especialmente os Guarani – e os pequenos agricultores negros de um canto a outro de um território que ia sendo loteado e atribuído a outros proprietários, especialmente no sul do país.
Os nobres deputados se escandalizam de que um 14% do território brasileiro seja destinado a grupos indígenas que representam um 0,30% da população, e pensam que isso é um obstáculo para o progresso do Brasil.
Deveriam talvez se perguntar por quê a prosperidade do Canadá não está sendo ameaçada por ter destinado aos povos indígenas – pouco mais vultosos lá – um 40% do seu território. Quiçá seja porque a prosperidade de um país não está atrelada à celeridade com que se consomem suas terras e seus recursos naturais com destino a uma exportação lucrativa, e sim a um desenvolvimento digno de toda a sua população, e a uma administração criteriosa do seu meio ambiente. Devem saber que esse 14% é uma parte fundamental da floresta preservada no Brasil. Mas, é claro, os deputados devem fazer parte dessa ampla bancada que entende que também se reservou espaço demais para as matas e as beiras de rio; que a produção pode avançar sempre mais um pouco sobre elas, enquanto um milagre segura o solo e a umidade. Na Universidade sabe-se que esses milagres não existem.
Os nobres deputados se inquietam porque algumas terras reivindicadas para índios e quilombolas tenham um alto valor produtivo ou venal – do qual parecem bem informados. Haverá algum propósito oculto nessas reivindicações? Deveriam lembrar que foi precisamente isso, o valor de suas terras, o motivo para que os mais fracos fossem uma e outra vez expulsos do lugar onde se encontravam há setenta, cem ou duzentos anos.
Deveriam explicar também quão miserável deveria ser o valor de uma terra para que eles estimassem razoável destina-la aos seus donos originais, ou aos descendentes dos escravos.
Os nobres deputados se preocupam, com muita razão, pela insegurança jurídica que causam as reivindicações de terras, especialmente para colonos que ocuparam lotes outrora indígenas. Mas devem saber que injustiças não resolvidas sempre geram insegurança jurídica. Por isso mesmo há muito tempo, em lugar de hostilizar e resistir às iniciativas de instituições indigenistas, universidades e Ministério Público, deveriam ter tomado iniciativas próprias que não fossem, como sempre o foram, as de eliminar, de fato ou de direito, aquelas populações indígenas ou negras que eles só conseguem enxergar como empecilhos; que foram esteios da construção do país mas podem ser já tratadas como bananeira que deu cacho.
O documento dos deputados não alude a essa suspeita, sempre presente em CPIs desse teor, de que as terras indígenas ameacem a soberania nacional, já que com freqüência se situam nas fronteiras do país. Mas talvez não tardará em aparecer também esse bordão, que é uma amostra de malícia ou de ignorância culpável: esses territórios estão nas fronteiras porque as fronteiras foram garantidas pela presença indígena. O caso mais conspícuo pode ser o do Amapá, onde a diplomacia brasileira ganhou uma extensa faixa de terras à Caiena francesa fazendo reconhecer como brasileiros os índios que lá moravam – embora então, como ainda agora, esse índios falassem francês…
Os índios tantas vezes acusados de comprometer a soberania são os mesmos que durante séculos, antes mesmo da Independência, foram definidos como “muralhas dos sertões”, a proteger o espaço que viria a ser o do Brasil, e que o continuam a fazer, integrando em grande número os batalhões de selva do exército brasileiro.
Bem longe da Amazônia, os deputados também se preocupam com fronteiras: pretendem que os índios Guarani que reivindicam terras no sul do país são, na verdade, argentinos ou paraguaios; o que parece inconteste é que são povos privados de cidadania sobre cujo território foram traçados, sem a mais mínima consulta a eles, os limites desses países. Os deputados entendem que, enquanto as fronteiras se apagam para a expansão do agronegócio brasileiro em territórios vizinhos, elas devem ser aplicadas com rigor para os seres humanos aos que, a um lado e outro da fronteira, esse prodigioso desenvolvimento deixa sem chão.
Eu entendo, como os deputados, que ONGs e Universidades não deveriam se intrometer em questões de estado que competem aos três poderes constitucionais. É lamentável que estes, e muito especialmente o Legislativo, prefiram advogar por fortunas particulares deixando a outros as tarefas que interessam ao Brasil no seu conjunto: a defesa do seu meio ambiente e o destino do seu povo.
Enfim, vale a pena refletir sobre um detalhe, presente no documento, que tem sido motivo para ataques irônicos contra o laudo da antropóloga Flávia de Melo a respeito da aldeia de Mato Preto. Ela teria revelado que a decisão de se deslocar para essa terra foi tomada pelos Guarani durante uma sessão religiosa em que se consumiu um chá alucinógeno. Superstição, irracionalidade misturada a decisões sérias? Os nobres deputados devem ter visitado, em Brasília, o memorial-mausoléu do presidente Juscelino Kubitschek. Lá, num painel bem visível que trata das origens do seu empreendimento, ficamos sabendo como a construção de Brasília foi prevista num sonho profético do santo católico Giovanni Bosco, que quase um século antes da construção da capital viu a civilização cristã chegando naqueles sertões então ocupados “apenas” por índios nus. Se a demarcação de uma terra indígena deve ser posta em dúvida por ter se amparado em visões próprias de uma religião indígena – tão respeitável como qualquer outra, enquanto perdure o pluralismo religioso – caberia também se perguntar o quê fazem esses três poderes ali onde os sonhou um clérigo italiano que jamais pisou terra brasileira.


*Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

SOMOS TODOS QUILOMBO RIO DOS MACACOS



SOMOS TODOS QUILOMBO RIO DOS MACACOS

Fotografias: Álvaro Vilela


A Marinha como inimiga histórica da população negra do Brasil – vide o exemplo da Revolta da Chibata, em 1910, e, 100 anos depois, os recentes eventos ocorridos em Alcântara, no Maranhão, em Marambaia, no Rio de Janeiro, e, agora, no Quilombo Rio dos Macacos, Bahia, onde mais uma vez o Ministério da Defesa, através da Marinha, corre o risco de responder numa corte internacional dada a situação de violações
composta por um repertório que passa desde o impedimento de crianças irem à escola até a negação de socorro a pessoas centenárias. No território quilombola do Rio dos Macacos, oficiais da Marinha estão diretamente implicados em casos que levaram até mesmo a óbito.


Se tem uma expressão entre os poderes no Brasil que não conhecemos são as Forças Armadas, que se constituíram no País desde o início do século XIX com a missão de caçar negros e indígenas, impedindo qualquer forma de organização política destes dois segmentos . Ao longo do século XX, esta mesma instituição se articulou e cresceu no Brasil, sustentada por três pilares: trata-se de uma organização patrimonialista, sectária e focada na estratégia de guerra onde a maioria da população é tratada como inimiga. Só por isso foi possível atravessarmos o século XX com intervalo de democracia e realidade de ditadura, pois o último princípio de sustentação das forças armadas no Brasil conta com o elemento de ausência de qualquer mecanismo de diálogo e controle social por parte da população.



Portanto, o que está acontecendo em Rio dos Macacos coloca a Marinha em rota de colisão com a sociedade democrática de direitos, onde todas as instituições do Estado estão funcionando. A Marinha, enquanto instituição anunciada em sua missão de defesa, tem atuado constantemente violando os direitos humanos dessa e de outras comunidades que por gerações inteiras lutaram para conquistar, implicando na negação do direito de ir e vir, de expressão, de organização política, de acesso aos serviços básicos, como educação e saúde, do modo ser e fazer das comunidades que habitam secularmente e que tiveram seus territórios invadidos datado nos últimos 50 anos.

Nos últimos meses, como forma de enfrentar a organização política da comunidade Rio dos Macacos e da solidariedades de muitos grupos da Bahia e do Brasil, a Marinha protagonizou inúmeras ações violentas a exemplo do assédio diário à comunidade com dezenas de fuzileiros armados; invasão de domicílios atentando contra os direitos das mulheres; uso ostensivo de armamento exclusivo das forças armadas criando
verdadeiros traumas em crianças, adolescente e idosos, que tiveram casas invadidas e armas apontadas para as suas cabeças; impedimento das atividades econômicas tradicionalmente desenvolvidas pela comunidade, como a agricultura e a pesca de subsistência como forma de inviabilizar a permanência no território.

Um saldo desse conflito desigual se evidencia no grande número de crianças, adolescentes e adultos que foram impedidas ou que foram forçadas a desistir de frequentar a escola. Na comunidade de Rio dos Macacos, dois fuzileiros ficavam de prontidão num ponto denominado pela comunidade como “barragem” para impedir a saída e entrada de pessoas, e quem insistiu foi espancado, preso e humilhado publicamente como castigo exemplar. Desde a década de 1970 que mais de 50 famílias foram expulsas do território e se mantém alto nível de hostilidade aos que permaneceram resistindo.



A disputa não se dá apenas no campo objetivo, pois a Marinha, ao destruir dois terreiros de Candomblé em Rio dos Macacos, também estabeleceu uma guerra contra a sustentação simbólica, que incide diretamente no ataque à memória, à cultura e às tradições, elementos fundamentais à identidade quilombola. Neste ponto, a Marinha viola todos os protocolos internacionais assinados pelo Brasil, a exemplo da Declaração
de Durban, resultante da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, na África do Sul, em 2001.

Diante da ampla mobilização e denúncias tão contundentes, diferentes órgãos e instâncias da administração pública do Governo Federal (SEPPIR, FCP, AGU, PGF, PGU, MDA,INCRA, MINISTÉRIO DA DEFESA E SECRETARIA GERAL DA PRESIDENCIA), implicados na garantia dos direitos das comunidades quilombolas, garantido no artigo 68 dos atos das disposições transitórias da Constituição Federal de 1988, que garante que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos”, regulamentado no decreto 4887/2003, em conformidade com Convenção 169 da OIT, tomaram como decisão realizar imediatamente o RTID (Relatório Técnico de Identificação e Delimitação), que é uma peça técnica fundamental para que a presença da comunidade no território seja entendida pelos poderes públicos.

Estranhamente e de forma arbitrária, a Marinha achou-se no direito de impedir um órgão da administração federal, o INCRA, de cumprir com o dever constitucional e o acordo institucional firmado no dia 3 de novembro de 2011. No dia 09 de dezembro, a Marinha anunciou que não ia permitir a entrada dos técnicos do INCRA no local, alegando que as ações daquele órgão no sentido de realizar os estudos necessários à
regularização das terras dos quilombolas e assim cumprir o que manda a Constituição seriam incompatíveis com o interesse público. Leia-se, como interesse de ampliar a Vila dos Militares.

Desta forma, enquanto a Presidenta descansa sem talvez saber o que se passa a poucos metros da caserna, guarnecida pelo aparato militar, também o INCRA e seus servidores estão sob ameaça, pois a Marinha, nos termos do documento anexo, promete, “utilizando-se dos meios permitidos em Regulamento para inibir qualquer prática atentatória à perda das garantias de manutenção da Dominialidade Federal da região”, barrar o processo de realização dos direitos constitucionais da comunidade.

VII Semana da África leva discussões sobre audiovisual e negritude ao Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA

Por , 16/05/2013 09:04

cartaz UFBA

A reforma agrária no Brasil em questão: Um debate fora das pautas?

Por , 16/05/2013 12:10

Sérgio Botton Barcellos



A discussão da estrutura agrária no Brasil, mesmo não estando entre as prioridades ou mesmo na agenda política do governo federal, ou não sendo tratada como uma das molas propulsoras de desenvolvimento, devido imperar ainda a concepção do produtivismo agrícola, parece ser necessária. A Reforma Agrária é um tema que está cada dia mais presente no cotidiano da população brasileira, por mais que tentem velar essa questão e demanda.
Cabe destacar que a Reforma Agrária, como muitos propalam na opinião pública, não trata-se de uma mera distribuição de lotes de terra, pois, uma política agrária consistente e mais ampla necessita de uma política agrícola que proporcione condições de acesso ao subsídio e crédito, apoio técnico e infraestruturas adequadas para a mobilidade e o escoamento da produção. Nesse sentido, a não realização da reforma agrária não é apenas uma situação objetiva de injustiça social, mas afeta a produção agrícola dos mais diversos cultivares necessários para a subsistência da população e um país, ou seja, é uma questão transpassa o campo político, social, técnico e econômico.
Atualmente, a Reforma Agrária no Brasil ocorre com a compra ou a desapropriação de latifúndios particulares considerados improdutivos pela União, em diversas áreas da federação, e  pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que distribui  e loteia essas terras para as famílias que recebem esses lotes. Observa-se, que o INCRA está em situação de precarização funcional e operacional o que gera em uma prestação de serviços insuficientes e inapropriados no que tange o fomento de infraestrutura, assistência financeira e técnica para viabilizar projetos de vida e a produção agrícola para os assentamentos.
A lei de desapropriação, garantida pela Constituição de 1988 e instituída pelo 2º Plano Nacional de Reforma Agrária, assegura o direito da União à desapropriação de terras ditas particulares, consideradas improdutivas, em decorrência da utilidade pública, especialmente para fins de Reforma Agrária, contudo não é praticada e executada no conjunto de suas normas, inclusive, junto aos casos de descumprimento das normas ambientais, trabalhistas e de função social.
Dentre o conjunto de conflitos que há na sociedade brasileira, tem os que são relacionados a questão agrária, nos quais os mais comuns estão situados: nas zonas de expansão de fronteira agrícola (Maranhão, Bahia e estados da região amazônica), onde está ocorrendo a exploração pecuária e agrícola (bovinos, soja, cana de açúcar, silvicultura, etc..) intensiva, devido a ampliação dessas áreas de cultivo, expulsando posseiros e rendeiros, ou pressionando os pequenos proprietários a vender ou desocupar suas terras; e os conflitos provocados pelas desapropriações feitas para construção de barragens ou para instalação de sistemas de irrigação.
Sobre o aspecto judicial, dos 523 processos relativos à reforma agrária no Brasil, 234 estão parados na Justiça Federal. Na Bahia, que é o estado que possui o maior contingente de trabalhadores rurais acampados no Brasil – cerca de 25 mil famílias –, há 87 processos de desapropriação parados à espera de uma decisão da Justiça federal, segundo o deputado federal Valmir Assunção (PT-BA).
Em meio a esse conjunto de situações, dados do ano de 2009 do IBGE, calculam que a situação agrária no Brasil em terras rurais, permaneceu praticamente inalterada nos últimos 20 anos. No último censo agropecuário, constata-se que as propriedades que têm até 10 mil hectares representam um total de apenas 2,7%  de todo o coeficiente de terras destinadas à agropecuária, sendo a maioria  formada ainda, por latifúndios de mais de 1000 hectares. Há mais de 120 milhões de hectares considerados improdutivos no cadastro do INCRA. Destaca-se que no Brasil 46% das terras estão em posse de 1% dos proprietários rurais, sendo um dos maiores índices de concentração fundiária do mundo.
Mesmo com a queda da desigualdade social de 8,3% no meio rural, em relação aos 6,5% na totalidade do país no período 2003-2009, a situação do meio rural brasileiro requer, muita, mas muita discussão e formulação. Exemplo disso, é que mesmo diante disso, o ano de 2012 foi o de menor índice nos últimos tempos para a reforma agrária, com menos de 12 mil famílias assentadas. Isso representa menos de 500 famílias. Diante desse cenário, desde o ano de 2003 até janeiro de 2013 o INCRA contabilizou 659.184 mil assentados de reforma agrária. Ainda, a maioria das áreas incorporadas para a Reforma Agrária e com o maior número de assentados está na região Norte do país em áreas próximas ou junto à floresta amazônica[1].
Ainda em relação aos dados da questão agrária no Brasil, o livro Partido da Terra de Alceu Castilho é farto em dados reveladores. No livro registra-se que aproximadamente 1,2% do território nacional ou 4,4 milhões de hectares são controlados por políticos que ocupam cargo nos poderes legislativo ou executivo, sendo que 2,3 milhões de hectares foram declarados pelos próprios proprietários à Justiça Eleitoral. Outro exemplo, o banqueiro Dantas em apenas três anos adquiriu mais de 600 mil hectares de terras em diversas fazendas no sul do Pará, com recursos de fundos de investimentos americanos.
Dos partidos políticos que concentram o maior número de proprietários de terras, o PMDB tem destaque, seguido do PSDB, PR e PP. Grande parte destes políticos, principalmente governadores, deputados federais, estaduais e senadores receberam para a campanha política de 2010, mais de R$ 50 milhões de grupos vinculados ao agronegócio como, por exemplo, do Grupo Friboi (JBS) que doou mais de R$ 30 milhões, a Cosan doou R$ 3,8 milhões, Bunge Fertilizantes R$2,72 milhões, Cutrale R$ 1,89 milhão e Marfrig Frigoríficos R$ 1,2 milhão. Dentre as empresas financiadoras de campanhas, algumas já foram acusadas de cometer irregularidades ambientais e, até mesmo, trabalho escravo.
Chama a atenção, que em relação ao PMDB, os seus deputados votaram contra as alterações no Código Florestal, na votação de 2011. Em 2012, apenas quatro (entre 74) vetaram as mudanças. O PSB cedeu seu lugar para o DEM na Comissão de Agricultura da Câmara de Deputados e Paulo Piau (PMDB), relator da versão que defendia o interesse dos ruralistas no Código Florestal, recebeu do agronegócio R$ 1,25 milhão, para a sua campanha eleitoral. Em suma, 211 políticos possuem mais de dois mil hectares cada um e 346 possuem 77% dos dois milhões de hectares declarados. Ainda Castilho, descreveu que 77 são donos de mais de cinco mil hectares cada um, nos quais 29 deles tem 612 mil hectares (CASTILHO, 2012).
Outra questão é a ofensiva do capital internacional sobre as terras brasileiras, como por exemplo a realizada pela CNADC (estatal chinesa de desenvolvimento agrícola), que anunciou em 2011 um investimento de 7 bilhões de dólares destinados à participação em projetos de expansão de lavouras de grãos no estado de Goiás em uma área estimada de 2,4 milhões de hectares para produção de soja a ser exportada para a China, bem como a estatal do setor de alimentos, a China National Agricultural Development Group Corporation. Ainda, exemplo dessa estratégia é a atuação do banqueiro George Soros que participa do projeto de construção de três usinas de açúcar e álcool em Mato Grosso do Sul (Nakatani et al 2012).
A Reforma Agrária descolada de um projeto de desenvolvimento para o Brasil
O cenário agrícola e agrário internacional tem sido estruturado ainda, a partir de ajustes estruturais desiguais de vocação neoliberal, impostos em primasia aos países considerados em subdesenvolvimento e a continuação dos programas de subsídios vultosos em especial nos países tidos como desenvolvidos; a desigual liberalização do mercado agrícola para o setor privado o que aumentou em grande medida a influência política e econômica, a especialização da produção e concentração de terras pelo agronegócio; mercados agrícolas com capacidades de produção e abastecimento desiguais; e o intenso e crescente controle pelas corporações transnacionais. Ressalta-se que a liberalização, assim como os ajustes estruturais, não foram impostos aos países desenvolvidos, que mantêm seus mercados fechados e os subsídios (que correspondem a cerca de 20% de seus PIBs) (BUCKLAND, 2006)[2].
No Brasil é evidente, que não temos ainda Reforma Agrária como uma política pública que efetivamente fortaleça a agricultura familiar e camponesa, bem como há um projeto de desenvolvimento rural sustentável. Evidencia-se que o financiamento das famílias assentadas é baseado em grande medida por políticas de crédito com insuficiente capacidade de acesso e com pouca viabilidade de pagamento do financiamento. Prova disso, é que a maioria dos assentamentos não tiveram seus recursos do ano de 2012 liberados, para a efetivação dos Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos (PDAs).
Parece ser necessário refletir e elencar alguns pontos para provocar o debate sobre a questão agrária, até o momento, com o conjunto da sociedade. Em análise anterior, já foi problematizada a tendência em fortalecer no meio rural brasileiro um modelo de acumulação de capital especializado no setor primário, que promove super-exploração agropecuária, hidroelétrica, mineral e petroleira de acordo com os interesses de diversas transnacionais que exploram recursos naturais no Brasil.
Um dos demonstrativos dessa situação foram os dados apresentados no Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) do IBGE, em 2012, no qual consta que as culturas de arroz, o milho e a soja correspondem a 91,3% da estimativa da produção agrícola do país e respondem por 85,1% da área a ser colhida, em relação a outros alimentos como o feijão, por exemplo.  O mercado agrícola brasileiro, por mais que a produção de alimentos seja feita pela pequena e média propriedade em primazia, é moldado pelo latifúndio, pelo monocultivo, pela intensa exploração econômica do trabalho e dos recursos naturais e a pouca promoção da segurança e variabilidade alimentar.
É notório que o modelo agrícola e agrário hegemônico em constituição no Brasil é baseado em um modelo, que é o praticável dentro das regras do atual estágio do capitalismo, a partir da crescente concentração da terra e da renda, no qual provoca o enfrentamento permanente entre o agronegócio e agricultura camponesa.
Segundo dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), no Relatório Anual: Conflitos Campo Brasil, o número de conflitos por terra cresceu 42%. Além disso, subiu para 19.968 o número de famílias vítimas de pistolagem no ano de 2012. Um crescimento de aproximadamente 30%, o maior índice desde 2004. Somando todos os conflitos que a CPT registrou – por terra, água, trabalhistas e em situação de seca – o número total de conflitos pela terra no Brasil somou 1.364 em 2012.
Mediante essa realidade, quando sobra até para um ex-relator da ONU declarar em entrevista recente que a Reforma Agrária é estratégica para o desenvolvimento e que o Brasil faz uma política contrária a agricultura familiar, é sinal que temos muito a refletir e atuar. Dar início a construção de um planejamento de Estado em longo prazo para encarar a questão das reformas agrária e urbana no país, bem como os debates sobre soberania e o auto-abastecimento alimentar, parece ser estratégico para planejar a autonomia e a soberania nacional para as próximas décadas.
Os dados aqui trazidos além de nos poderem fazer pensar um pouco sobre a realidade têm como objetivo provocar e remeter a mais reflexões e possibilitar observar o meio rural sobre outras possibilidades. Apenas reestruturar o INCRA, fazer uso e cumprir as leis, aumentar o irrisório orçamento da questão agrária e dos assentamentos e etc.; dentro da racionalidade e do contexto no atual estágio vigente do capitalismo, parece ser um horizonte tangível por poucas possibilidades. Para alterar as respostas que estamos tendo e produzindo, vamos ter que elaborar outras perguntas.
O exercício de como formular outras questões precisamos continuar perseguindo. Mas para isso, essas questões podem ser feitas em conjunto e a partir das diversas experiências e anseios já existentes no seio da agricultura familiar, camponesa e dos povos e comunidades tradicionais para elaborar outro projeto de desenvolvimento rural tendo a reforma agrária, não como opção, mas como uma das condições, para viabilizar s projetos de vida e produção dos povos e comunidades no meio rural brasileiro.


[1] Chama-se a atenção que o INCRA na formulação dos seus dados registra todas as famílias que tiveram suas posses regularizadas, ou que tiveram seus direitos nos assentamentos antigos reconhecidos, ou foram reassentadas em virtude da construção de barragens, como se fossem assentamentos novos. Isto é, está ocorrendo uma sobreposição e dados novos com antigos e a possibilidade de imprecisão dos mesmos.
[2] BUCKLAND, J. International obstacles to rural development: how neoliberal policiesconstrain competitive markets and sustainable agriculture. Canadian journal of developmentstudies. v.XXVII, n.1, jan.2006. Otawa: CASID/ACEDI, 2006. p.9-24.

Quilombo Rio dos Macacos exige fim da violência em reunião com parlamentares


Por , 16/05/2013 11:55
 
 
rio macacos1
Por Iris Pacheco, da Página do MST


Na última terça-feira, (14/5), representantes da comunidade quilombola Rio dos Macacos, localizada na Bahia, foram recebidos pela Senadora Ana Rita (PT-ES), presidenta da Comissão de Direitos Humanos do Senado (CMDH), para uma reunião.
Estiveram presentes também diversos movimentos sociais, como MST, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB) e Movimento Camponês Popular (MCP).
Durante a reunião, a comunidade apresentou uma pauta de reivindicações, que solicitam o fim das violações dos Direitos Humanos, a agilidade no procedimento de titulação do território quilombola e exigem a publicação imediata do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) pelo Instituto Nacional de Colonização na Reforma Agrária (Incra).
O Quilombo Rio dos Macacos é uma comunidade negra rural, composta por 67 famílias descendentes de escravos com história que remonta há mais de um século de existência. Com a chegada da Marinha do Brasil entre as décadas de 50 e 60, que recebeu a área como doação indevida da Prefeitura Municipal de Salvador e construiu uma barragem e a Vila Militar.
Desde então, a comunidade quilombola se vê sob uma dinâmica social composta de restrições e práticas abusivas, no sentido de coibir os moradores na construção ou reforma de suas casas, bem como na manutenção dos roçados de subsistência e violações de direitos básicos que garantem uma vida digna como educação, saúde, infraestrutura, saneamento básico, entre outros.
A moradora do Quilombo Rosimeire dos Santos relata as condições subumanas em que a comunidade vive. “A gente vive na senzala, corrente e tronco. Ainda somos escravos. A comunidade quilombola não troca, não vende, não negocia, fazer isso seria negociar nossas vidas. Precisamos urgentemente que nossos direitos sejam respeitados e aplicados, pois sabemos que existem os órgãos responsáveis, mas não sabemos o que é. A gente não sabe o que é justiça”, disse.
A comunidade solicita uma audiência com o ministro do Desenvolvimento Agrário Pepe Vargas e a presidenta Dilma Rousseff, que já tem conhecimento do caso. “O pedido do Quilombo Rio dos Macacos é que a gente se reúna com a presidenta Dilma, porque demos a ela um voto de confiança. Queremos ajuda não só para o Quilombo, mas também para outras comunidades quilombolas que também estão na mesma situação”, diz Rosimeire.
De acordo a Fundação Cultural Palmares, no Brasil existem apenas 1.826 comunidades remanescentes de quilombos auto reconhecidas e certificadas pela instituição. Na Bahia são 438, porém pouco mais da metade foram titularizadas, como garante o artigo 68 da Constituição Federal.
Dona Olinda Souza de Oliveira, também residente no Quilombo, retrata o atual descaso a que estão submetidos, “vivemos em um Estado de direitos que a gente não consegue entender qual direito temos. Carregamos na pele a marca da violência da Marinha do Brasil contra nós, e não somos os únicos, vários outros quilombos, como a gente, estão pedindo socorro”, desabafa.
Os diversos povos brasileiros tem sofrido um retrocesso na garantia dos direitos assegurados na Constituição. José Rosalvo, residente do Quilombo, comentou que “nós do Quilombo ainda vivemos sob as incidências da violência.
Não temos cobertura de nenhum órgão em função de garantir nossos direitos. Não chegou essa condição de direitos à comunidade, a gente ainda vive na miséria”, ressaltou.
Estiveram presentes na reunião o deputado Luís Alberto (PT-BA) que enfatizou a intransigência do juíz responsável pelo caso e reforçou que o Estado tem que garantir seu papel constitucional de assegurar os direitos do povo quilombola como determina a Constituição.
“O caso do Quilombo Rio dos Macacos é emblemático, pois as condições de vida são subumanas. Peço à casa que se agregue à luta desigual, pois há uma discussão em vários setores do governo, e não há uma posição sobre qual encaminhamento a se tomar. Não queremos ter um pinheirinho na Bahia”, destacou.
A Senadora Lídice da Mata (PSB-BA) comentou sobre importância da unidade dos movimentos populares e a obrigação dos parlamentares dentro do senado em fazer ecoar a voz do povo no Congresso.
A senadora afirmou também o compromisso ideológico com os Direitos Humanos no país. “Tenho convicção que a luta do Quilombo Rio dos Macacos será abraçada pela CMDH e outros parlamentares e partidos políticos aqui no senado” afirmou.
A secretária de políticas de promoção da igualdade racial (SEPPIR), Silvany Euclênio, disse que o Congresso vive um momento crucial de retrocesso das políticas públicas, e que é necessária que uma decisão política seja tomada a partir da união de diversos poderes para que haja uma solução adequada para as ambas as partes, porque a situação já é bastante insustentável.
Encaminhamentos
Da reunião saíram algumas medidas emergenciais para serem encaminhadas. A CMDH se comprometeu em dialogar com o governo do estado da Bahia para dar ajuda humanitária em termos alimentares.
Além de marcar uma reunião com o Ministro Pepe Vargas, Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), Ministério da Defesa (MD), Secretaria de Direitos Humanos (SDH), Ministério da Igualdade Racial (MIR), Incra e demais órgãos que tem interface com as questões relacionadas ao caso, principalmente com a violação aos Direitos Humanos.
A Senadora Ana Rita anunciou ainda que “A CMDH abraça, acolhe a causa do Quilombo e vamos nos somar a outras pessoas, entidades, para ajudar a resolver o conflito” e que irá propor aos seus membros uma visita à comunidade, após os encaminhamentos das questões emergenciais necessárias.
Processo judicial
Desde agosto de 2012, o Incra concluiu o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), que aponta que os quilombolas descendem de escravos de fazendas que produziam cana-de-açúcar para o Engenho de Aratu, no período colonial. Ao longo do tempo, as famílias de descendentes desses escravos se fixaram no local. No entanto, até o presente momento o RTID não foi publicado no Diário oficial da União.
Durante a reunião com a Senadora, O advogado Maurício Correia, da Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR), que tem prestado assistência jurídica à comunidade, solicitou a publicação imediata do RTID, uma vez que a proposta de resolução do problema, realocando as famílias para um local de apenas 21 hectares, não condiz com as necessidades de vida objetivas da comunidade.
Em setembro de 2011 a Comunidade entrou na estatística de mais um remanescente de quilombo, reconhecido pela Fundação Cultural Palmares. Além da comunidade vivenciar cotidianamente as violações de Direitos Humanos, o Quilombo Rio dos Macacos está sob a ameaça de ser expulso do seu território tradicional em razão de três ações reivindicatórias ajuizadas pela União Federal contra a referida comunidade, em que qualifica os Réus como “invasores” e solicita a desocupação do imóvel.
As terras ocupadas pelo quilombo encontram-se na divisa dos municípios Salvador e Simões Filho. A fronteira entre um e outro município é dada pelo mesmo Rio dos Macacos de que a comunidade empresta o nome.
De acordo o censo de 2010, realizado pelo IBGE, o município de Simões Filho possui uma área de 201,222 km², com uma população de 118.047 habitantes, dos quais 88,6% residem em área urbana e apenas 10,4% em área rural.
A comunidade faz parte dessa pequena porcentagem rural, e ocupa um território de 301 hectares. Mesmo estando próximo a área urbana, seus costumes e cultura são referencialmente rurais.
O advogado Correia comenta que existe uma intransigência jurídica com relação ao caso. “A petição diz que os quilombolas são invasores da área militar e cometem crime ambiental.
No entanto, todos esses casos são falácias da Marinha, pois não há nenhuma prática de crime ambiental no local. O que existe é uma comunidade que resiste a mais de 150 anos a indústrias, usinas, fazendas e agora à Marinha”.