Por Israel Junior Silva, em Rede Democrática
Quando se fala em atrocidade, um nome,
inevitavelmente, vem à cabeça: Hitler! Mas agora, outro nome se juntará à
galeria dos monstros da história da humanidade: o do rei Leopoldo II,
da Bélgica. E isso graças ao escritor polonês, naturalizado britânico,
Adam Hochschild, que no livro “O Fantasma do Rei Leopoldo”, relata uma
das maiores chacinas já cometidas em nome do poder, a mando do rei
belga, quando colonizou o Congo (atual Zaire), no continente africano.
As piores atrocidades aconteceram entre 1890 e 1910, tudo isso sem que o
rei colocasse os pés na África e com o aval dos líderes mundiais, que
fizeram “vista grossa”, enquanto milhares de congoleses sucumbiam ante a
tirania do “filantrópico e humanitário” rei, que aos olhos do mundo
“apenas libertava aquele povo medieval de uma ignorância crônica,
levando até eles as benesses da civilização”.
Congo Belga, como ficou conhecido na
época, foi uma das grandes fontes de riqueza para a minúscula Bélgica,
que se enriqueceu com a venda de marfins, que eram extraídos em
detrimento da morte de centenas de milhares de elefantes africanos, hoje
ameaçados de extinção. Outra fonte de riqueza foi a extração da
borracha, responsável pelo desaparecimento de muitas espécies de árvores
nativas daquela região.
Mas foi em outro aspecto que a tirania
do rei Leopoldo mais se acentuou: na instituição do trabalho escravo. A
ordem era lucrar muito com pouco investimento, e isso, logicamente,
significava não se preocupar com a folha de pagamento. Muitos oficiais
belgas foram enviados ao Congo, após previamente estudarem um “Manual”,
onde se ensinavam as “técnicas” de como subjugar o povo. No dizer do
próprio autor, “poucas vezes a história nos oferece uma chance como essa
de ver instruções detalhadas de como executar um regime de terror”.
No livro, pode-se observar uma
fotografia onde um oficial belga exibe, orgulhoso, o seu “jardim de
crânios”, que consistia em uma cerca ao redor de sua casa, toda
construída com cabeças africanas decepadas, numa clara intenção de
intimidar os que, porventura, ousassem desobedecer as ordens de “Sua
Majestade”. Num assombroso relato de uma africana, pode-se imaginar o
inferno em que viviam os congoleses: “Quando estávamos todos reunidos – e
havia muita gente de outras aldeias [...] – os soldados trouxeram
cestos de comida para nós carregarmos, dentro dos quais havia carne
humana defumada [...] ”.
A extração do marfim era relativamente
simples, pois os oficiais armavam-se com rifles, matavam centenas de
elefantes e os africanos, amarrados por grossas correntes nas pernas,
formavam longas filas e carregavam cargas pesadíssimas até a margem do
rio Congo, onde navios esperavam para dali partirem rumo à Europa. Não é
preciso dizer que nesse trajeto – dos locais das matanças até o rio –
os negros eram constantemente açoitados e muitos morriam por não
suportar o peso da carga. A comida era uma ração, distribuída uma única
vez ao dia e muito inferior àquela que era destinada aos cavalos do rei.
Para extrair a borracha, houve um
impasse. Como os negros precisavam subir nas árvores, era impossível
mantê-los acorrentados uns aos outros, o que dificultava o recrutamento
de “voluntários”. Mas, como não existia obstáculo que pudesse deter o
regime de terror, os belgas invadiam as aldeias, raptavam mulheres e
crianças e exigiam como pagamento por sua liberdade uma quantia de látex
que necessitava de 24 dias para ser extraído. Dessa forma, vários
africanos eram obrigados a se embrenhar na mata para conseguirem a
matéria-prima da borracha e muitos eram devorados por leões e leopardos.
Os que retornavam, muitas vezes encontravam esposas e filhos mortos, ou
violentados pelos soldados do rei. As mulheres mais bonitas eram
entregues aos oficiais, como forma de amenizar o celibato forçado em que
viviam.
Muitos aventureiros de toda a Europa
foram para o Congo, nessa época, atraídos pelo dinheiro fácil conseguido
através da venda de escravos. Outros invadiam as aldeias que resistiam
ao trabalho de extração da borracha e, para cada bala disparada, tinham
que apresentar a um oficial belga a mão direita do africano morto, para
só assim receberem o pagamento. Como alguns utilizavam a munição para
caçar, decepavam mãos de pessoas vivas, no intuito de justificar a bala
desperdiçada. A prova disso são várias fotos espalhadas pelo livro, onde
se vê homens, mulheres e até crianças mutiladas.
A cena presenciada pelo missionário
presbiteriano William Sheppard, descrita pelo autor, é chocante e
dispensa maiores comentários: “No dia em que chegou ao acampamento dos
saqueadores, chamou-lhe a atenção um grande número de objetos sendo
defumados. O chefe ‘nos levou até uma estrutura de paus, sob a qual
queimava um fogo lento, e lá estavam elas, as mãos direitas, contei-as
todas, 81’. O chefe disse a Sheppard: ‘Veja! Aqui está nossa prova. Eu
sempre tenho que cortar a mão direita das pessoas que matamos, para
poder mostrar ao Estado quantas foram’. Com muito orgulho, mostrou a
Sheppard alguns dos corpos de onde as mãos tinham saído. A fumaça era
para preservar as mãos no calor e umidade, já que podia levar dias, ou
semanas, até o chefe poder exibi-las ao oficial encarregado e receber os
créditos por suas matanças”.
O castigo Belga – mãos cortadas
Para se ter uma ideia de tanta
desumanidade, basta observar o que disse um oficial, conhecido por
Fiévez, tentando justificar a chacina de cem pessoas, quando estas não
conseguiram fornecer aos seus soldados o peixe e a mandioca exigidos:
“Eu fazia guerra contra eles. Um exemplo bastava: cem cabeças cortadas
fora e a estação voltava a ser abastecida com fartura. Meu objetivo
final é humanitário. Eu mato cem pessoas [...] mas isso permite que
outras quinhentas vivam”. Como afirmou Edmund Morel, uma das maiores
vozes que ecoaram contra o trabalho escravo dos africanos, “o Congo é
uma sociedade secreta de assassinos, tendo um rei como cabeça”.
São muitas as atrocidades, impossíveis
de serem descritas em apenas um artigo. Mas, para quem pensava que no
ranking dos monstros da humanidade, Hitler fosse imbatível, uma
novidade: o pódio é também ocupado pelo rei Leopoldo II, da Bélgica, que
traz em seu currículo 8 milhões de africanos dizimados, contra 6
milhões de judeus mortos, inseridos no histórico do austríaco.
A diferença entre os dois é que Hitler
gostava de fazer propaganda de suas bestialidades e suas vítimas foram
um povo branco, enquanto o belga, que optou pelos negros, como todo
psicopata que se preze, matava com discrição, com um inevitável sorriso
nos lábios, além de passar uma imagem de bonzinho para o resto do mundo.
No mais, foram monstros paridos pela escória, embora nascidos em épocas
e circunstâncias diferentes.
O poeta norte-americano Vachel Lindsay
traduziu bem a impressão deixada por Leopoldo, após sua morte: “Ouçam
como grita o fantasma de Leopoldo/A queimar no inferno por suas hostes
sem mãos./Escutem como riem e berram os demônios/Lá no inferno, a lhe
cortar fora as mãos”.
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Compartilhada por Nabbonz Wende Guarani Kaiowa.
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