quinta-feira, 16 de maio de 2013

A reforma agrária no Brasil em questão: Um debate fora das pautas?

Por , 16/05/2013 12:10

Sérgio Botton Barcellos



A discussão da estrutura agrária no Brasil, mesmo não estando entre as prioridades ou mesmo na agenda política do governo federal, ou não sendo tratada como uma das molas propulsoras de desenvolvimento, devido imperar ainda a concepção do produtivismo agrícola, parece ser necessária. A Reforma Agrária é um tema que está cada dia mais presente no cotidiano da população brasileira, por mais que tentem velar essa questão e demanda.
Cabe destacar que a Reforma Agrária, como muitos propalam na opinião pública, não trata-se de uma mera distribuição de lotes de terra, pois, uma política agrária consistente e mais ampla necessita de uma política agrícola que proporcione condições de acesso ao subsídio e crédito, apoio técnico e infraestruturas adequadas para a mobilidade e o escoamento da produção. Nesse sentido, a não realização da reforma agrária não é apenas uma situação objetiva de injustiça social, mas afeta a produção agrícola dos mais diversos cultivares necessários para a subsistência da população e um país, ou seja, é uma questão transpassa o campo político, social, técnico e econômico.
Atualmente, a Reforma Agrária no Brasil ocorre com a compra ou a desapropriação de latifúndios particulares considerados improdutivos pela União, em diversas áreas da federação, e  pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que distribui  e loteia essas terras para as famílias que recebem esses lotes. Observa-se, que o INCRA está em situação de precarização funcional e operacional o que gera em uma prestação de serviços insuficientes e inapropriados no que tange o fomento de infraestrutura, assistência financeira e técnica para viabilizar projetos de vida e a produção agrícola para os assentamentos.
A lei de desapropriação, garantida pela Constituição de 1988 e instituída pelo 2º Plano Nacional de Reforma Agrária, assegura o direito da União à desapropriação de terras ditas particulares, consideradas improdutivas, em decorrência da utilidade pública, especialmente para fins de Reforma Agrária, contudo não é praticada e executada no conjunto de suas normas, inclusive, junto aos casos de descumprimento das normas ambientais, trabalhistas e de função social.
Dentre o conjunto de conflitos que há na sociedade brasileira, tem os que são relacionados a questão agrária, nos quais os mais comuns estão situados: nas zonas de expansão de fronteira agrícola (Maranhão, Bahia e estados da região amazônica), onde está ocorrendo a exploração pecuária e agrícola (bovinos, soja, cana de açúcar, silvicultura, etc..) intensiva, devido a ampliação dessas áreas de cultivo, expulsando posseiros e rendeiros, ou pressionando os pequenos proprietários a vender ou desocupar suas terras; e os conflitos provocados pelas desapropriações feitas para construção de barragens ou para instalação de sistemas de irrigação.
Sobre o aspecto judicial, dos 523 processos relativos à reforma agrária no Brasil, 234 estão parados na Justiça Federal. Na Bahia, que é o estado que possui o maior contingente de trabalhadores rurais acampados no Brasil – cerca de 25 mil famílias –, há 87 processos de desapropriação parados à espera de uma decisão da Justiça federal, segundo o deputado federal Valmir Assunção (PT-BA).
Em meio a esse conjunto de situações, dados do ano de 2009 do IBGE, calculam que a situação agrária no Brasil em terras rurais, permaneceu praticamente inalterada nos últimos 20 anos. No último censo agropecuário, constata-se que as propriedades que têm até 10 mil hectares representam um total de apenas 2,7%  de todo o coeficiente de terras destinadas à agropecuária, sendo a maioria  formada ainda, por latifúndios de mais de 1000 hectares. Há mais de 120 milhões de hectares considerados improdutivos no cadastro do INCRA. Destaca-se que no Brasil 46% das terras estão em posse de 1% dos proprietários rurais, sendo um dos maiores índices de concentração fundiária do mundo.
Mesmo com a queda da desigualdade social de 8,3% no meio rural, em relação aos 6,5% na totalidade do país no período 2003-2009, a situação do meio rural brasileiro requer, muita, mas muita discussão e formulação. Exemplo disso, é que mesmo diante disso, o ano de 2012 foi o de menor índice nos últimos tempos para a reforma agrária, com menos de 12 mil famílias assentadas. Isso representa menos de 500 famílias. Diante desse cenário, desde o ano de 2003 até janeiro de 2013 o INCRA contabilizou 659.184 mil assentados de reforma agrária. Ainda, a maioria das áreas incorporadas para a Reforma Agrária e com o maior número de assentados está na região Norte do país em áreas próximas ou junto à floresta amazônica[1].
Ainda em relação aos dados da questão agrária no Brasil, o livro Partido da Terra de Alceu Castilho é farto em dados reveladores. No livro registra-se que aproximadamente 1,2% do território nacional ou 4,4 milhões de hectares são controlados por políticos que ocupam cargo nos poderes legislativo ou executivo, sendo que 2,3 milhões de hectares foram declarados pelos próprios proprietários à Justiça Eleitoral. Outro exemplo, o banqueiro Dantas em apenas três anos adquiriu mais de 600 mil hectares de terras em diversas fazendas no sul do Pará, com recursos de fundos de investimentos americanos.
Dos partidos políticos que concentram o maior número de proprietários de terras, o PMDB tem destaque, seguido do PSDB, PR e PP. Grande parte destes políticos, principalmente governadores, deputados federais, estaduais e senadores receberam para a campanha política de 2010, mais de R$ 50 milhões de grupos vinculados ao agronegócio como, por exemplo, do Grupo Friboi (JBS) que doou mais de R$ 30 milhões, a Cosan doou R$ 3,8 milhões, Bunge Fertilizantes R$2,72 milhões, Cutrale R$ 1,89 milhão e Marfrig Frigoríficos R$ 1,2 milhão. Dentre as empresas financiadoras de campanhas, algumas já foram acusadas de cometer irregularidades ambientais e, até mesmo, trabalho escravo.
Chama a atenção, que em relação ao PMDB, os seus deputados votaram contra as alterações no Código Florestal, na votação de 2011. Em 2012, apenas quatro (entre 74) vetaram as mudanças. O PSB cedeu seu lugar para o DEM na Comissão de Agricultura da Câmara de Deputados e Paulo Piau (PMDB), relator da versão que defendia o interesse dos ruralistas no Código Florestal, recebeu do agronegócio R$ 1,25 milhão, para a sua campanha eleitoral. Em suma, 211 políticos possuem mais de dois mil hectares cada um e 346 possuem 77% dos dois milhões de hectares declarados. Ainda Castilho, descreveu que 77 são donos de mais de cinco mil hectares cada um, nos quais 29 deles tem 612 mil hectares (CASTILHO, 2012).
Outra questão é a ofensiva do capital internacional sobre as terras brasileiras, como por exemplo a realizada pela CNADC (estatal chinesa de desenvolvimento agrícola), que anunciou em 2011 um investimento de 7 bilhões de dólares destinados à participação em projetos de expansão de lavouras de grãos no estado de Goiás em uma área estimada de 2,4 milhões de hectares para produção de soja a ser exportada para a China, bem como a estatal do setor de alimentos, a China National Agricultural Development Group Corporation. Ainda, exemplo dessa estratégia é a atuação do banqueiro George Soros que participa do projeto de construção de três usinas de açúcar e álcool em Mato Grosso do Sul (Nakatani et al 2012).
A Reforma Agrária descolada de um projeto de desenvolvimento para o Brasil
O cenário agrícola e agrário internacional tem sido estruturado ainda, a partir de ajustes estruturais desiguais de vocação neoliberal, impostos em primasia aos países considerados em subdesenvolvimento e a continuação dos programas de subsídios vultosos em especial nos países tidos como desenvolvidos; a desigual liberalização do mercado agrícola para o setor privado o que aumentou em grande medida a influência política e econômica, a especialização da produção e concentração de terras pelo agronegócio; mercados agrícolas com capacidades de produção e abastecimento desiguais; e o intenso e crescente controle pelas corporações transnacionais. Ressalta-se que a liberalização, assim como os ajustes estruturais, não foram impostos aos países desenvolvidos, que mantêm seus mercados fechados e os subsídios (que correspondem a cerca de 20% de seus PIBs) (BUCKLAND, 2006)[2].
No Brasil é evidente, que não temos ainda Reforma Agrária como uma política pública que efetivamente fortaleça a agricultura familiar e camponesa, bem como há um projeto de desenvolvimento rural sustentável. Evidencia-se que o financiamento das famílias assentadas é baseado em grande medida por políticas de crédito com insuficiente capacidade de acesso e com pouca viabilidade de pagamento do financiamento. Prova disso, é que a maioria dos assentamentos não tiveram seus recursos do ano de 2012 liberados, para a efetivação dos Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos (PDAs).
Parece ser necessário refletir e elencar alguns pontos para provocar o debate sobre a questão agrária, até o momento, com o conjunto da sociedade. Em análise anterior, já foi problematizada a tendência em fortalecer no meio rural brasileiro um modelo de acumulação de capital especializado no setor primário, que promove super-exploração agropecuária, hidroelétrica, mineral e petroleira de acordo com os interesses de diversas transnacionais que exploram recursos naturais no Brasil.
Um dos demonstrativos dessa situação foram os dados apresentados no Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) do IBGE, em 2012, no qual consta que as culturas de arroz, o milho e a soja correspondem a 91,3% da estimativa da produção agrícola do país e respondem por 85,1% da área a ser colhida, em relação a outros alimentos como o feijão, por exemplo.  O mercado agrícola brasileiro, por mais que a produção de alimentos seja feita pela pequena e média propriedade em primazia, é moldado pelo latifúndio, pelo monocultivo, pela intensa exploração econômica do trabalho e dos recursos naturais e a pouca promoção da segurança e variabilidade alimentar.
É notório que o modelo agrícola e agrário hegemônico em constituição no Brasil é baseado em um modelo, que é o praticável dentro das regras do atual estágio do capitalismo, a partir da crescente concentração da terra e da renda, no qual provoca o enfrentamento permanente entre o agronegócio e agricultura camponesa.
Segundo dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), no Relatório Anual: Conflitos Campo Brasil, o número de conflitos por terra cresceu 42%. Além disso, subiu para 19.968 o número de famílias vítimas de pistolagem no ano de 2012. Um crescimento de aproximadamente 30%, o maior índice desde 2004. Somando todos os conflitos que a CPT registrou – por terra, água, trabalhistas e em situação de seca – o número total de conflitos pela terra no Brasil somou 1.364 em 2012.
Mediante essa realidade, quando sobra até para um ex-relator da ONU declarar em entrevista recente que a Reforma Agrária é estratégica para o desenvolvimento e que o Brasil faz uma política contrária a agricultura familiar, é sinal que temos muito a refletir e atuar. Dar início a construção de um planejamento de Estado em longo prazo para encarar a questão das reformas agrária e urbana no país, bem como os debates sobre soberania e o auto-abastecimento alimentar, parece ser estratégico para planejar a autonomia e a soberania nacional para as próximas décadas.
Os dados aqui trazidos além de nos poderem fazer pensar um pouco sobre a realidade têm como objetivo provocar e remeter a mais reflexões e possibilitar observar o meio rural sobre outras possibilidades. Apenas reestruturar o INCRA, fazer uso e cumprir as leis, aumentar o irrisório orçamento da questão agrária e dos assentamentos e etc.; dentro da racionalidade e do contexto no atual estágio vigente do capitalismo, parece ser um horizonte tangível por poucas possibilidades. Para alterar as respostas que estamos tendo e produzindo, vamos ter que elaborar outras perguntas.
O exercício de como formular outras questões precisamos continuar perseguindo. Mas para isso, essas questões podem ser feitas em conjunto e a partir das diversas experiências e anseios já existentes no seio da agricultura familiar, camponesa e dos povos e comunidades tradicionais para elaborar outro projeto de desenvolvimento rural tendo a reforma agrária, não como opção, mas como uma das condições, para viabilizar s projetos de vida e produção dos povos e comunidades no meio rural brasileiro.


[1] Chama-se a atenção que o INCRA na formulação dos seus dados registra todas as famílias que tiveram suas posses regularizadas, ou que tiveram seus direitos nos assentamentos antigos reconhecidos, ou foram reassentadas em virtude da construção de barragens, como se fossem assentamentos novos. Isto é, está ocorrendo uma sobreposição e dados novos com antigos e a possibilidade de imprecisão dos mesmos.
[2] BUCKLAND, J. International obstacles to rural development: how neoliberal policiesconstrain competitive markets and sustainable agriculture. Canadian journal of developmentstudies. v.XXVII, n.1, jan.2006. Otawa: CASID/ACEDI, 2006. p.9-24.

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