Sérgio Botton Barcellos
A discussão da estrutura agrária no
Brasil, mesmo não estando entre as prioridades ou mesmo na agenda
política do governo federal, ou não sendo tratada como uma das molas
propulsoras de desenvolvimento, devido imperar ainda a concepção do
produtivismo agrícola, parece ser necessária. A Reforma Agrária é um
tema que está cada dia mais presente no cotidiano da população
brasileira, por mais que tentem velar essa questão e demanda.
Cabe destacar que a Reforma Agrária,
como muitos propalam na opinião pública, não trata-se de uma mera
distribuição de lotes de terra, pois, uma política agrária consistente e
mais ampla necessita de uma política agrícola que proporcione condições
de acesso ao subsídio e crédito, apoio técnico e infraestruturas
adequadas para a mobilidade e o escoamento da produção. Nesse sentido, a
não realização da reforma agrária não é apenas uma situação objetiva de
injustiça social, mas afeta a produção agrícola dos mais diversos
cultivares necessários para a subsistência da população e um país, ou
seja, é uma questão transpassa o campo político, social, técnico e
econômico.
Atualmente, a Reforma Agrária no Brasil
ocorre com a compra ou a desapropriação de latifúndios particulares
considerados improdutivos pela União, em diversas áreas da federação, e
pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA), que distribui e loteia essas terras para as famílias que
recebem esses lotes. Observa-se, que o INCRA está em situação de
precarização funcional e operacional o que gera em uma prestação de
serviços insuficientes e inapropriados no que tange o fomento de
infraestrutura, assistência financeira e técnica para viabilizar
projetos de vida e a produção agrícola para os assentamentos.
A lei de desapropriação, garantida pela
Constituição de 1988 e instituída pelo 2º Plano Nacional de Reforma
Agrária, assegura o direito da União à desapropriação de terras ditas
particulares, consideradas improdutivas, em decorrência da utilidade
pública, especialmente para fins de Reforma Agrária, contudo não é
praticada e executada no conjunto de suas normas, inclusive, junto aos
casos de descumprimento das normas ambientais, trabalhistas e de função
social.
Dentre o conjunto de conflitos que há na
sociedade brasileira, tem os que são relacionados a questão agrária,
nos quais os mais comuns estão situados: nas zonas de expansão de
fronteira agrícola (Maranhão, Bahia e estados da região amazônica), onde
está ocorrendo a exploração pecuária e agrícola (bovinos, soja, cana de
açúcar, silvicultura, etc..) intensiva, devido a ampliação dessas áreas
de cultivo, expulsando posseiros e rendeiros, ou pressionando os
pequenos proprietários a vender ou desocupar suas terras; e os conflitos
provocados pelas desapropriações feitas para construção de barragens ou
para instalação de sistemas de irrigação.
Sobre o aspecto judicial, dos 523
processos relativos à reforma agrária no Brasil, 234 estão parados na
Justiça Federal. Na Bahia, que é o estado que possui o maior contingente
de trabalhadores rurais acampados no Brasil – cerca de 25 mil famílias
–, há 87 processos de desapropriação parados à espera de uma decisão da
Justiça federal, segundo o deputado federal Valmir Assunção (PT-BA).
Em meio a esse conjunto de situações, dados do ano de 2009 do IBGE, calculam
que a situação agrária no Brasil em terras rurais, permaneceu
praticamente inalterada nos últimos 20 anos. No último censo
agropecuário, constata-se que as propriedades que têm até 10 mil
hectares representam um total de apenas 2,7% de todo o coeficiente de
terras destinadas à agropecuária, sendo a maioria formada ainda, por
latifúndios de mais de 1000 hectares. Há mais de 120 milhões de hectares
considerados improdutivos no cadastro do INCRA. Destaca-se que no
Brasil 46% das terras estão em posse de 1% dos proprietários rurais,
sendo um dos maiores índices de concentração fundiária do mundo.
Mesmo com a queda da desigualdade social
de 8,3% no meio rural, em relação aos 6,5% na totalidade do país
no período 2003-2009, a situação do meio rural brasileiro requer, muita,
mas muita discussão e formulação. Exemplo disso, é que mesmo diante
disso, o ano de 2012 foi o de menor índice nos últimos tempos para a
reforma agrária, com menos de 12 mil famílias assentadas. Isso
representa menos de 500 famílias. Diante desse cenário, desde o ano de
2003 até janeiro de 2013 o INCRA contabilizou 659.184 mil assentados de
reforma agrária. Ainda, a maioria das áreas incorporadas para a Reforma
Agrária e com o maior número de assentados está na região Norte do país
em áreas próximas ou junto à floresta amazônica[1].
Ainda em relação aos dados da questão
agrária no Brasil, o livro Partido da Terra de Alceu Castilho é farto em
dados reveladores. No livro registra-se que aproximadamente 1,2% do
território nacional ou 4,4 milhões de hectares são controlados por
políticos que ocupam cargo nos poderes legislativo ou executivo, sendo
que 2,3 milhões de hectares foram declarados pelos próprios
proprietários à Justiça Eleitoral. Outro exemplo, o banqueiro Dantas em
apenas três anos adquiriu mais de 600 mil hectares de terras em diversas
fazendas no sul do Pará, com recursos de fundos de investimentos
americanos.
Dos partidos políticos que concentram o
maior número de proprietários de terras, o PMDB tem destaque, seguido do
PSDB, PR e PP. Grande parte destes políticos, principalmente
governadores, deputados federais, estaduais e senadores receberam para a
campanha política de 2010, mais de R$ 50 milhões de grupos vinculados
ao agronegócio como, por exemplo, do Grupo Friboi (JBS) que doou mais de
R$ 30 milhões, a Cosan doou R$ 3,8 milhões, Bunge Fertilizantes R$2,72
milhões, Cutrale R$ 1,89 milhão e Marfrig Frigoríficos R$ 1,2 milhão.
Dentre as empresas financiadoras de campanhas, algumas já foram acusadas
de cometer irregularidades ambientais e, até mesmo, trabalho escravo.
Chama a atenção, que em relação ao PMDB,
os seus deputados votaram contra as alterações no Código Florestal, na
votação de 2011. Em 2012, apenas quatro (entre 74) vetaram as mudanças. O
PSB cedeu seu lugar para o DEM na Comissão de Agricultura da Câmara de
Deputados e Paulo Piau (PMDB), relator da versão que defendia o
interesse dos ruralistas no Código Florestal, recebeu do agronegócio R$
1,25 milhão, para a sua campanha eleitoral. Em suma, 211 políticos
possuem mais de dois mil hectares cada um e 346 possuem 77% dos dois
milhões de hectares declarados. Ainda Castilho, descreveu que 77 são
donos de mais de cinco mil hectares cada um, nos quais 29 deles tem 612
mil hectares (CASTILHO, 2012).
Outra questão é a ofensiva do capital
internacional sobre as terras brasileiras, como por exemplo a realizada
pela CNADC (estatal chinesa de desenvolvimento agrícola), que anunciou
em 2011 um investimento de 7 bilhões de dólares destinados à
participação em projetos de expansão de lavouras de grãos no estado de
Goiás em uma área estimada de 2,4 milhões de hectares para produção de
soja a ser exportada para a China, bem como a estatal do setor de
alimentos, a China National Agricultural Development Group Corporation.
Ainda, exemplo dessa estratégia é a atuação do banqueiro George Soros
que participa do projeto de construção de três usinas de açúcar e álcool
em Mato Grosso do Sul (Nakatani et al 2012).
A Reforma Agrária descolada de um projeto de desenvolvimento para o Brasil
O cenário agrícola e agrário
internacional tem sido estruturado ainda, a partir de ajustes
estruturais desiguais de vocação neoliberal, impostos em primasia aos
países considerados em subdesenvolvimento e a continuação dos programas
de subsídios vultosos em especial nos países tidos como desenvolvidos; a
desigual liberalização do mercado agrícola para o setor privado o que
aumentou em grande medida a influência política e econômica, a
especialização da produção e concentração de terras pelo agronegócio;
mercados agrícolas com capacidades de produção e abastecimento
desiguais; e o intenso e crescente controle pelas corporações
transnacionais. Ressalta-se que a liberalização, assim como os ajustes
estruturais, não foram impostos aos países desenvolvidos, que mantêm
seus mercados fechados e os subsídios (que correspondem a cerca de 20%
de seus PIBs) (BUCKLAND, 2006)[2].
No Brasil é evidente, que não temos
ainda Reforma Agrária como uma política pública que efetivamente
fortaleça a agricultura familiar e camponesa, bem como há um projeto de
desenvolvimento rural sustentável. Evidencia-se que o financiamento das
famílias assentadas é baseado em grande medida por políticas de crédito
com insuficiente capacidade de acesso e com pouca viabilidade de
pagamento do financiamento. Prova disso, é que a maioria dos
assentamentos não tiveram seus recursos do ano de 2012 liberados, para a
efetivação dos Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos (PDAs).
Parece ser necessário refletir e elencar
alguns pontos para provocar o debate sobre a questão agrária, até o
momento, com o conjunto da sociedade. Em análise anterior, já foi
problematizada a tendência em fortalecer no meio rural brasileiro um
modelo de acumulação de capital especializado no setor primário, que
promove super-exploração agropecuária, hidroelétrica, mineral e
petroleira de acordo com os interesses de diversas transnacionais que
exploram recursos naturais no Brasil.
Um dos demonstrativos dessa situação
foram os dados apresentados no Levantamento Sistemático da Produção
Agrícola (LSPA) do IBGE, em 2012, no qual consta que as culturas de
arroz, o milho e a soja correspondem a 91,3% da estimativa da produção
agrícola do país e respondem por 85,1% da área a ser colhida, em relação
a outros alimentos como o feijão, por exemplo. O mercado agrícola
brasileiro, por mais que a produção de alimentos seja feita pela pequena
e média propriedade em primazia, é moldado pelo latifúndio, pelo
monocultivo, pela intensa exploração econômica do trabalho e dos
recursos naturais e a pouca promoção da segurança e variabilidade
alimentar.
É notório que o modelo agrícola e
agrário hegemônico em constituição no Brasil é baseado em um modelo, que
é o praticável dentro das regras do atual estágio do capitalismo, a
partir da crescente concentração da terra e da renda, no qual provoca o
enfrentamento permanente entre o agronegócio e agricultura camponesa.
Segundo dados divulgados pela Comissão
Pastoral da Terra (CPT), no Relatório Anual: Conflitos Campo Brasil, o
número de conflitos por terra cresceu 42%. Além disso, subiu para 19.968
o número de famílias vítimas de pistolagem no ano de 2012. Um
crescimento de aproximadamente 30%, o maior índice desde 2004. Somando
todos os conflitos que a CPT registrou – por terra, água, trabalhistas e
em situação de seca – o número total de conflitos pela terra no Brasil
somou 1.364 em 2012.
Mediante essa realidade, quando sobra
até para um ex-relator da ONU declarar em entrevista recente que a
Reforma Agrária é estratégica para o desenvolvimento e que o Brasil faz
uma política contrária a agricultura familiar, é sinal que temos muito a
refletir e atuar. Dar início a construção de um planejamento de Estado
em longo prazo para encarar a questão das reformas agrária e urbana no
país, bem como os debates sobre soberania e o auto-abastecimento
alimentar, parece ser estratégico para planejar a autonomia e a
soberania nacional para as próximas décadas.
Os dados aqui trazidos além de nos
poderem fazer pensar um pouco sobre a realidade têm como objetivo
provocar e remeter a mais reflexões e possibilitar observar o meio rural
sobre outras possibilidades. Apenas reestruturar o INCRA, fazer uso e
cumprir as leis, aumentar o irrisório orçamento da questão agrária e dos
assentamentos e etc.; dentro da racionalidade e do contexto no atual
estágio vigente do capitalismo, parece ser um horizonte tangível por
poucas possibilidades. Para alterar as respostas que estamos tendo e
produzindo, vamos ter que elaborar outras perguntas.
O exercício de como formular outras
questões precisamos continuar perseguindo. Mas para isso, essas questões
podem ser feitas em conjunto e a partir das diversas experiências e
anseios já existentes no seio da agricultura familiar, camponesa e dos
povos e comunidades tradicionais para elaborar outro projeto de
desenvolvimento rural tendo a reforma agrária, não como opção, mas como
uma das condições, para viabilizar s projetos de vida e produção dos
povos e comunidades no meio rural brasileiro.
[1] Chama-se a atenção que o INCRA na
formulação dos seus dados registra todas as famílias que tiveram suas
posses regularizadas, ou que tiveram seus direitos nos assentamentos
antigos reconhecidos, ou foram reassentadas em virtude da construção de
barragens, como se fossem assentamentos novos. Isto é, está ocorrendo
uma sobreposição e dados novos com antigos e a possibilidade de
imprecisão dos mesmos.
[2] BUCKLAND, J. International obstacles to rural development: how neoliberal policiesconstrain competitive markets and sustainable agriculture. Canadian journal of developmentstudies. v.XXVII, n.1, jan.2006. Otawa: CASID/ACEDI, 2006. p.9-24.
Nenhum comentário:
Postar um comentário