De um lado, os agricultores lutam para garantir a propriedade; do outro, descendentes de quilombolas cobram dívida histórica
Marilia Gehrke, Gazeta do Sul
A sensação de desconhecimento e incerteza com relação ao futuro preocupa tanto os produtores rurais quanto os descendentes e remanescentes de quilombolas da localidade de Passo da Taquara e arredores, no interior de Rio Pardo. Enquanto os agricultores exigem o direito à propriedade, a população negra quer a regulamentação e retomada da área onde viviam seus antepassados. O processo administrativo de regulamentação fundiária da comunidade quilombola Rincão dos Negros foi aberto em 2005. Dois anos depois, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) realizou o Relatório Sócio-Histórico e Antropológico para identificar as famílias – 25, no total – que têm direito ao benefício.
Em julho deste ano, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) realizou um levantamento preliminar de alta precisão, por meio de GPS, para identificar a área, com 1,3 mil hectares. Esses são itens que compõem o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) das terras, parte inicial do procedimento que culmina com a desapropriação. De acordo com os produtores rurais de Passo da Taquara, 159 propriedades e 420 moradores serão diretamente afetados com a medida do Incra. Além disso, estimam que 1,2 mil pessoas se beneficiam da agricultura na localidade atualmente. No mês passado, representantes da Sociedade da Terra, de Rio Pardo, e integrantes de entidades ligadas aos pequenos agricultores de Maquiné e Osório, foram a Brasília para um encontro com representantes da Secretaria Geral da Presidência da República e da Secretaria Nacional de Articulação Social.
Desde a reunião, eles questionam o procedimento adotado pelo Incra quanto à desapropriação de terras. Na tarde de hoje, uma nova audiência, em Porto Alegre, pode dar um ânimo extra aos agricultores. Um grupo de Rio Pardo deve comparecer no evento. No encontro, que acontece na Assembleia Legislativa, serão discutidas as demarcações de terras para comunidades indígenas e quilombolas e os impactos causados ao setor rural. A reunião em Porto Alegre terá a participação das comissões de Agricultura do Senado, Câmara dos Deputados e Assembleia Legislativa do Estado, além da senadora Ana Amélia Lemos e deputados federais e estaduais.
Entenda o procedimento
O processo de identificação de uma área como antigo quilombo começa com o autorreconhecimento que parte da própria comunidade remanescente. Após, a Fundação Cultural Palmares emite uma certidão para então o processo dar entrada no Incra. O primeiro passo é a confecção e posterior publicação do RTID (em Rio Pardo, está em fase inicial). Após, os proprietários de terra afetados pela medida são notificados pelo Incra e têm o prazo de 90 dias para contestação. A portaria ainda passa pelo presidente do Incra antes de ir para a última etapa que antecede a desapropriação das terras, que é a sanção da presidente Dilma Rousseff.
Se houver desapropriação, os proprietários receberão, por suas terras, o valor das avaliações da terra e das benfeitorias. O Incra informou que também existe a possibilidade de os agricultores afetados serem direcionados para outro lugar. A cada início de ano, o governo federal repassa recursos ao Incra, conforme a previsão de desapropriações nos estados. Esse orçamento é destinado somente para a regularização fundiária em todo o território nacional. A única comunidade quilombola com o procedimento 100% concluído no Estado é Chácara das Rosas, em Canoas. O processo foi aberto em 2005 e concluído em 2009. Esse foi um dos primeiros quilombos urbanos do Brasil.
http://www.gaz.com.br/noticia/307882-caso_quilombolas_cria_clima_de_tensao_em_rio_pardo.html
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